Passavam alguns minutos das 21h30 da última noite de Abril de 2005 - Sábado - quando cheguei ao Centro Cívico de Fermentelos a fim de assistir à primeira Emboscada operada na terra pela d'Orfeu, associação cultural. Em tão singular conjuntura, poder-se-ia dizer a sintomática expressão ‘os últimos são os primeiros’, o fim do sentido mês dos cravos [e das mil (tristes vezes quase zero este ano) águas] pautado pela inaugural performance a ele em grande parte dedicada.
Finalmente!, terá pensado uma apreciável parte dos fermentelenses, sabedores da valia cultural da associação em si e de suas produções, finalmente a d'Orfeu vem cá, finalmente entre nós. Claro e sobretudo que, além dos cartazes espalhados pela vila, da veiculação da imprensa e das comunicações informais, a “nunca por demais vezes nomeada” grandeza cultural e associativa de Fermentelos não deixaria de dotar o evento da mais vibrante moldura humana. Outras iniciativas afectas à d’Orfeu e a seus múltiplos contactos, de resto, seriam até, com certa solenidade, anunciadas à comunidade no fim do concerto. Escusado dizer, pois, que em causa uma primeira de muitas e muitas outras realizações. De cultura, afinal, os fermentelenses se não fartam. Redundante, então, mencionar a lotada plateia do Salão da Junta de Freguesia.
Nada. Vazio, o Salão que serviu em tempos de C+S provisória para mim e muitos colegas se “educarem fisicamente” (constrangimento apreciável na forma e no conteúdo esse) não era mais do que a salinha do preconceito nativo, onde, iniciado o concerto, se poderia contar pelos dedos de escassas mãos as pessoas da terra. Talvez mesmo músicos e seus e suas joviais acompanhantes ‘de fora’ fossem mais que as ditas personas. Deve-se depreender que a interpretação da d’Orfeu de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira ou Fausto não é digna da audição fermentelense? Decididamente por estas bandas os ares de Abril possuem certa vertigem insustentável, tomada como louca e caótica naquele mau sentido que demasiadas vezes se imprime às palavras de diferença.
A diversidade e a simultaneidade de realizações, à laia de semi-embaraçado pedido de desculpa proferido pelo Presidente da Junta aquando do agradecimento aos presentes e aos feitores do evento, teria impossibilitado uma melhor casa para o que qualificou como uma magnífica apresentação musical. Diferente, sublinhou, do habitual numa terra muito dada a suas Bandas. Implicitamente, assim, a constatação de um desinteresse colectivo face ao que não seja, no fundo, tradicionalmente apropriado e cristalizado. De qualquer modo e precisamente das Bandas vão surgindo animadores sinais experimentais. Aprofundá-los é um desafio contemporâneo à altura de seus admiráveis pergaminhos. Nisto da cena cultural fermentelense, suas palavras, actos e (o)missões são mais que decisivos.
Entre as esfuziantes contradições modernas que nos envolvem, importa questionar e tornar a inventar sob pena de se querer conservar uma mão cheia de coisa nenhuma à margem do tempo. Sempre urge, essencialmente, aprender com o Outro e fluir. Assim é comunicar.
Pela Emboscada, meu sincero agradecimento à d’Orfeu.
Até Já Abril,